Enquanto o Sol brilhava e aquecia o carnaval brasileiro, o bloco dos cientistas vivia aquela que poderia passar a ser conhecida como a Semana das Células Solares.
Não apenas foi inventado um novo tipo de célula solar de altíssima eficiência, como as células fotovoltaicas atualmente em produção comercial bateram recordes na conversão da luz do Sol em eletricidade.
Recorde mundial de eficiência
Os avanços começaram pelas células solares fotovoltaicas, que podem ser compradas no comércio, prometendo impactos diretos no mercado.
A empresa japonesa Mitsubishi anunciou ter quebrado dois de seus próprios recordes mundiais em células solares fotovoltaicas feitas de silício policristalino – o tipo tradicional de células solares que, devido à sua alta eficiência, são as mais utilizadas hoje no mercado.
O primeiro desses recordes marca a elevação da eficiência na conversão fotoelétrica – a capacidade de converter a luz do Sol em eletricidade – para 19,3%, usando pastilhas de silício policristalino de 100 centímetros quadrados, uma dimensão prática do ponto de vista industrial. As células policristalinas propriamente ditas, construídas sobre a pastilhas, medem 15 cm x 15 cm x 200 micrômetros de espessura.
O segundo recorde mundial foi alcançado usando a mesma tecnologia de redução das perdas resistivas no interior das células, mas usando células ultra finas, medindo 15 cm x 15 cm x 100 micrômetros de espessura, que alcançaram uma eficiência de 18,1%. Tão finas quanto uma folha de papel, estas células solares começam a competir com as orgânicas no quesito flexibilidade.
Estas células solares de película fina estão ganhando importância porque utilizam apenas 1% do silício necessário para fabricar uma célula fotovoltaica tradicional. Sua eficiência ligeiramente menor é mais do que compensada pela grande redução nos seus custos de fabricação.
A Mitsubishi anunciou que os dois avanços serão incorporados imediatamente em suas células solares comerciais.
Células solares híbridas
Praticamente no mesmo dia foi anunciado um avanço em um tipo de célula solar que está prestes a chegar ao mercado.
Uma equipe da Universidade de Freiburg, na Alemanha, desenvolveu uma nova técnica para tratar superfícies feitas com nanopartículas. De um ponto de vista teórico, a técnica poderá ser usada em vários tipos de nanopartículas, permitindo a construção de estruturas muito precisas.
De um ponto de vista prático, contudo, o método já se mostrou excepcional para as células solares híbridas, um tipo de célula solar formada por uma camada de nanopartículas inorgânicas e um polímero orgânico.
As células solares orgânicas são muito promissoras porque podem ser fabricadas por técnicas de impressão sobre plástico, o que as torna potencialmente muito baratas. Mas, até agora, sua eficiência era de apenas 1%. A nova técnica elevou essa eficiência para 1,8%, quase o dobro do que havia sido conseguido até então.
Nesta pesquisa, os cientistas usaram pontos quânticos, nanopartículas que medem entre dois e quatro nanômetros. Em princípio, células solares híbridas, como estas feitas com pontos quânticos, poderão ser aplicadas como uma espécie de spraysobre as superfícies.
O recorde atual de eficiência entre as células solares orgânicas puras é de 7%.
Célula solar de nanofios
Já os pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, inventaram um tipo totalmente novo de célula solar que, apesar de estar nos seus primeiros estágios no laboratório, surgiu com um futuro extremamente promissor.
A nova célula solar é flexível como as células solares orgânicas, gasta uma quantidade do caro silício cristalino menor do que as células solares de película fina e, mais importante de tudo, possui uma eficiência na conversão fótons-elétrons que fica entre 90 e 100%.
"Estas células solares ultrapassaram, pela primeira vez, o limite tradicional dos materiais que capturam a luz," comemora Harry Atwater, coordenador da pesquisa.
O limite de captura de luz de um material estabelece a quantidade de luz que o material é capaz de absorver – um material teórico, completamente preto, que não reflita nenhum fóton, terá uma captura de luz de 100%.
Enfileirando fios de silício lado a lado, os pesquisadores atingiram uma capacidade de absorção da luz solar incidente de 85%. Quando os fios são projetados para absorver um único comprimento de onda, a eficiência alcança 96%, superando qualquer material já fabricado até hoje para capturar a luz.
"Muitos materiais podem absorver a luz muito bem, mas não são capazes de gerar eletricidade, como acontece com as tintas pretas, por exemplo," explica o pesquisador. "O que é mais importante em uma célula solar é se essa absorção resulta na criação de portadoras de carga [elétrica]."
Cada fio usado na construção da nova célula solar é, individualmente, uma célula solar com eficiência quântica quase perfeita, sendo capaz de transformar mais de 90% dos fótons que incidem sobre eles em elétrons.
Quando são usados para construir estruturas maiores, sua eficiência fica ainda maior porque sua interação aprisiona os fótons não convertidos inicialmente – ao ricochetear entre os fios, esses fótons acabam gerando eletricidade também.
Cada fio de silício mede entre 30 e 100 micrômetros de comprimento e 1 micrômetro de diâmetro. Como são postos lado a lado, a espessura total da célula solar é a mesma dos fios – lembre-se que a célula solar "ultra fina" da Mitsubishi, vista acima, é 100 vez mais grossa.
Em termos de área ou de volume, contudo, apenas 2% da nova célula solar é feita de silício, sendo os restantes 98% compostos por um polímero – o que coloca esta nova célula solar também na categoria das orgânicas (que possuem carbono em sua composição).
O próximo passa da pesquisa é elevar a tensão gerada pelas células solares e o tamanho total da célula solar. Em escala de laboratório, elas não superam 1 centímetro quadrado. Para atingirem a escala comercial, terão que alcançar áreas pelo menos 100 vezes maiores.
Célula solar da IBM
A IBM também anunciou que seus cientistas desenvolveram um novo tipo de célula solar, sem o caráter revolucionário das células de fios de silício do pessoal do Caltech, mas na qual a camada principal, que absorve a luz para a conversão em eletricidade, é composta exclusivamente por elementos de baixo custo.
Formada por cobre, estanho e zinco, mais enxofre e/ou selênio, a nova célula solar já estreia com um rendimento de 9,6%, superior até às células solares orgânicas puras.
Embora possa ser enquadrada na mesma categoria das células solares de película fina, em termos de produto final, a nova célula foi criada utilizando um conjunto de técnicas de manipulação de nanopartículas e de processamento em meio líquido que é muito mais barato de se fazer industrialmente do que os métodos atuais de deposição a vácuo.
As células solares de película fina disponíveis atualmente são feitas principalmente de seleneto de gálio-índio-cobre ou telureto de cádmio – ambos compostos químicos muito caros. Outros pesquisadores já haviam criado células solares sem estes elementos, atingindo rendimentos de até 6,7% – 40% menos do que o agora obtido.
A IBM anunciou também que não pretende fabricar células solares, mas que está aberta a negociações com eventuais parceiros para transferência da tecnologia.
Inocentes úteis
A cada hora, a Terra recebe mais energia da luz do Sol do que o planeta inteiro consome em um ano. Ainda assim, a energia solar fornece menos de 0,1% da eletricidade consumida no mundo.
Embora as tão esperadas melhorias nas células solares estejam vindo em incrementos pequenos, estas inovações em bloco comprovam que o campo está em verdadeira efervescência.
O que é importante, porque o maior empecilho hoje alegado contra o uso intensivo da energia solar é o custo. Mas a comparação de custos aqui é a mais estreita possível, em termos unicamente de unidades monetárias por quilowatt gerado, sem qualquer consideração com o balanço ambiental.
Enquanto isto, os ambientalistas parecem ter mordido a isca daqueles que não desejam grandes mudanças na matriz energética mundial. Embora se achem revolucionários ao propor formas radicais de mitigação dos gases de efeito estufa, eles se tornaram inocentes úteis, não percebendo que, ao concentrar suas ações unicamente nas formas de lidar com o carbono emitido, eles estão de fato validando e endossando a matriz emissora de carbono.
Talvez esteja na hora de dar menos importância a embates dogmáticos, que geram só calor e nenhuma luz, e assumir que queremos uma nova matriz energética para o próximo milênio não apenas porque nossos "relatórios sagrados" provam isto ou aquilo, com tal ou qual probabilidade de acerto, mas porque temos o direito de achar que o que vimos fazendo com o planeta até agora não é adequado e queremos mudar. E estamos dispostos a pagar o preço por isto – ou não estamos?