Desde 1972 que ninguém mais visita a Lua. Pouco importa que cada bolso guarde um smartphone mais potente do que toda a Nasa da década de 70.
O Futuro perdeu-se de vista. No horizonte próximo o cenário parece catastrófico. Cheio de hackers, tecnologias daninhas, inteligências malignas, desastres ecológicos e holocaustos em geral. O gênero cyberpunk, alimentado pelo pessimismo pós-moderno de Jean Baudrillard e de seus comparsas e materializado em distopias como O Exterminador do Futuro e os livros de Philip K. Dick (“Blade Runner”, “Minority Report”, “Total Recall”) parece ter vencido toda e qualquer utopia. Estaríamos mesmo destinados a um presente contínuo em que nada é criado, apenas transformado para pior? Será que os otimistas foram todos devorados por zumbis, vampiros e alienígenas sanguinários?
A ficção científica parece viver uma nostalgia depressiva. Fala-se em lendas góticas, histórias medievais, sociedades secretas e bruxarias diversas. A trilogia “Matrix”, grande sucesso recente do gênero, fez referências rasas a praticamente todas as religiões, correntes de autoajuda e versões simplificadas da Caverna de Platão. Em outros círculos, pouco se cita além de um “Grande Irmão” –inventado em 1948– e de um “Admirável Mundo Novo” –de 1932.
Essa crise não passaria de um lamento intelectual se o gênero não fosse tão importante. Boas obras desse tipo de fantasia costumam gerar visões icônicas, inspiradoras, materializando personagens, produtos e cenários muito além do que pode supor nossa vã Engenharia.
Ao contextualizar uma história em um ambiente de inovação tecnológica, seus autores precisam imaginar a integração das novas ideias ao cotidiano. Esse é o componente que muitos cientistas e empreendedores se esquecem de levar em conta quando implementam suas ideias. É só pensar na influência de Google, iPhone e Facebook na vida pessoal para compreender o tamanho da encrenca.
Quando popular, a ficção científica cria modelos de compreensão universal. Seria muito difícil explicar um “campo de força” sem ela. Além disso, suas histórias antecipam questões éticas. Os contos de Isaac Asimov levaram os debates metafísicos para mundos a princípio distantes deles, como a Robótica e a Inteligência Artificial. Seus colegas discutiram extensivamente os problemas de clonagem antes de qualquer filósofo ouvir falar do termo.
Os inventores do submarino e do helicóptero confessam a importância da obra de Júlio Verne em seus protótipos. Os livros de H.G. Wells tem influência direta na invenção do foguete, no alerta quanto ao risco de bombas atômicas e no uso pacífico da energia nuclear. Em tempos mais recentes, poucas obras foram tão marcantes quanto a série de TV “Jornada nas Estrelas”.
Muitos a associam a convenções de nerds com orelhas pontudas, falando em Klingon. Sua influência, no entanto, vai muito além de um simples fetiche. Inspiradas em westerns e nas “Viagens de Gulliver”, as expedições da Enterprise já teriam sido importantes por mostrarem o primeiro elenco multirracial e o primeiro beijo entre pessoas de diferentes etnias na telinha.
Mas ela fez muito mais do que isso: mostrou monitores de computador em quartos e salas de reunião, fones de ouvido sem fio, telas planas de grandes dimensões e alta definição, videofone, interfaces sensíveis ao toque e sensores de biometria diversos, capazes de reconhecer vozes e identificar palmas da mão e retinas.
Sua popularidade foi tamanha que fez o inventor do Altair 8800, o primeiro microcomputador, dar a sua máquina o nome de uma das galáxias citadas na série.
O primeiro telefone celular foi claramente inspirado no comunicador portátil usado pelo Capitão Kirk e Sr. Spock. Para Martin Cooper, diretor de pesquisa da Motorola na época, o seriado não mostrava uma fantasia, mas um objetivo. Tanto que apelidou um de seus modelos mais famosos de StarTAC.
O comunicador, como boa parte dos smartphones de hoje, também servia para localizar seu portador. Mas o GPS só seria possível graças a uma invenção de outro autor de ficção científica: Arthur C. Clarke, que o descreveu em um artigo de 1945 como sugestão para facilitar a navegação e a transmissão de sinais de TV. Desnecessário dizer que sua invenção levou duas décadas para ser levada a sério. Um conto de Arthur C. Clarke, “Disque F para Frankenstein”, fascinou o jovem Tim Berners-Lee, e o inspirou a pensar em uma grande rede mundial de computadores.
Está na hora de reativar a ficção científica. De pensar em um futuro melhor, mais limpo e otimista, que não deixa de se preocupar com o “Show de Truman” mas que também imagina o teletransporte.
É certo que uma ficção melhor não salvará o mundo, mas pode inspirar a invenção de novos produtos que melhorem a qualidade de vida. E mostrar para neurocientistas, psicólogos e pesquisadores hoje a serviço de corporações, bancos de investimentos e agências de publicidade, que há objetivos mais nobres do que a dominação do mercado.
Inspiração não falta: Júlio Verne defendia que o que pode ser imaginado pode ser inventado. Arthur C. Clarke dizia que tecnologias avançadas são parecidas com mágica. E o narrador de “Jornada nas Estrelas” elogiava os que tinham a coragem de ir aonde ninguém jamais esteve.
Fonte : Folha.com